Leia o texto de Eugênio de Castro para responder às questões 1 e 2.
Autobiografia
Vendo-me num beco sem saída, compreendi que era tempo de procurar uma nova senda ventilada e luminosa, que era necessário abrir para a paisagem, remoçada pelo vigor das novas colheitas, as janelas do Parnaso português, até então hermeticamente fechadas, e varrer dessas janelas as teias de aranha que comprometiam a limpidez dos seus vidros.
Providencialmente passaram sob os meus olhos alguns livros dos simbolistas franceses, recentemente publicados, de Verlaine e Moréas, de Mallarmé e Viêlê-Griffm, de Henri de Regnier e de Gustave Khan. Esses livros ensinaram-me milagrosamente a orientar as vagas e flutuantes aspirações do meu espírito e mostraram-me como a poesia portuguesa facilmente recobraria o seu vigor e a graça das suas grandes épocas, se alguém iniciasse nela um movimento idêntico ao francês, variando os ritmos e os motivos de inspiração, renovando o fatigado guarda-roupa das imagens, substituindo a expressão directa pelo símbolo e a expressão lineal dos parnasianos pela sugestão musicalmente vaga dos simbolistas.
CASTRO, Eugênio de. In: Antologia. Lisboa: IN/CM, 1987. senda: rumo, direção.
1. Podemos perceber em todo o trecho aqui transcrito como se dá um momento de transição entre dois estilos literários. como seria, com base no que diz o autor, o estilo dos parnasianos?
2. Segundo Eugênio de Castro, como se caracteriza o novo momento literário?
>> Agora leia os poemas de Charles Baudelaire e Antônio Nobre para responder às questões de 3 a 5.
Texto 1
O cachimbo
Sou o cachimbo de um autor.
Vê-se, ao contemplar meu semblante
De cafre ou de abissínia errante,
Que muito fuma o meu senhor.
Quando ele está cheio de dor,
Sou como a choça fumegante
Onde a comida aguarda o instante
Em que regressa o lenhador.
Sua alma embalo docemente
Na rede azul e movediça
Que em minha boca o fogo atiça.
E entorno um bálsamo envolvente
Que ao coração lhe traz a calma
E lhe dá cura aos males da alma.
BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. 6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
- cafre: indivíduo de uma população africana banta, afim dos zulus, não muçulmana, do sudeste da África.
- Abissínia: região hoje denominada etiópia, na África.
- choça: cabana rústica.
- Bálsamo: aroma agradável e penetrante, perfume.
Texto 2
O meu cachimbo
Ó meu cachimbo!
Amo-te imenso!
Tu, meu turíbulo sagrado!
Com que, Sr. Abade, incenso
A abadia do meu passado.
Fumo? E ocorre-me à lembrança
Todo esse tempo que lá vai,
Quando fumava, ainda criança,
Às escondidas de meu pai.
Vejo passar a minha vida,
Como num grande cosmorama:
Homem feito, pálida ermida,
Infante, pela mão da ama.
Por alta noite, às horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para falar contigo a sós.
E a noite perde-se em cavaco,
Na Torre de Anto, aonde eu moro!
Ali, metido no buraco,
Fumo e, a fumar, às vezes… choro.
Chorando (penso e não digo)
Os olhos fitos neste chão,
Que tu és leal, és meu amigo…
Os meus amigos onde estão?
Hoje, delícias no abandono!
Vivo na paz, vivo no limbo:
Os meus amigos são o Outono,
O mar e tu, ó meu cachimbo!
Ah! Quando for do meu enterro,
Quando partir gelado, enfim,
Nalgum caixão de mogno e ferro,
Quero que vás ao pé de mim.
Santa mulher que me tratares,
Quando em teus braços desfaleça,
Caso meus olhos não cerrares,
Embora! Que isto não te esqueça:
Coloca, sob a travesseira,
O meu cachimbo singular
E enche-o, solícita enfermeira,
Com Gold-Fly para eu fumar…
Como passar a noite, amigo!
No Hotel da Cova sem conforto?
Assim levando-te comigo,
Esquecer-me-ei de que estou morto…
NOBRE, António. Só. Lisboa: Ulisseia, 1998. (Fragmento).
- turíbulo: incensório, vaso em que se queima o incenso.
- cosmorama: conjunto de vistas, quadros dos mais diversos países, ampliados por instrumentos ópticos.
- ermida: pequena igreja ou capela erguida em lugar ermo, afastado.
- cavaco: conversa.
- limbo: estado de indecisão, incerteza, indefinição; ausência de memória, esquecimento.
- travesseira: o mesmo que travesseiro.
3. A leitura dos dois textos permite reconhecer algumas semelhanças.
► Qual personagem que aparece mencionado nos dois poemas?
► O eu lírico é o mesmo nos dois textos? Justifique sua resposta com base nos poemas.
4. Qual é a relação entre o objeto mencionado nos dois poemas e seus “donos”? Essa relação é idêntica nos dois textos?
5. A partir da descrição do eu lírico de cada um dos poemas, podemos dizer que os textos dialogam entre si? Justifique sua resposta.
>> Leia o poema a seguir para responder às questões de 6 a 10.
Ó Virgens que passais, ao Sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente,
Que me transporte ao meu perdido Lar.
Cantai-me, nessa voz onipotente,
O Sol que tomba, aureolando o Mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a Graça, a formosura, o luar!
Cantai! cantai as límpidas cantigas!
Das ruínas do meu Lar desterrai
Todas aquelas ilusões antigas
Que eu vi morrer num sonho, como um ai…
Ó suaves e frescas raparigas,
Adormecei-me nessa voz… Cantai!
NOBRE, António. In: MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa através dos textos. 29 ed. São Paulo: Cultrix,1997.
- ermas: desertas.
- onipotente: que pode tudo, que tem poder absoluto.
- Aureolar: envolver com uma auréola, coroar.
- seara: campo de cereais, extensão de terra semeada, cultivada.
6. Uma das características do Simbolismo é um gosto pelo abstrato, pelo impalpável. Que recurso gráfico empregado no poema contribui para a produção desse efeito?
7. Qual é o efeito que a canção produz no eu lírico?
8. Além de expressar o desejo por uma canção, o poema em si também apresenta certa musicalidade. Transcreva um verso em que essa musicalidade seja evidente e nomeie o recurso sonoro empregado.
9. O que o eu lírico pede para as Virgens cantarem em sua canção?
10. Apesar de conter características simbolistas, o poema também apresenta alguns traços românticos. Quais são eles?
Comentários
Postar um comentário